domingo, 7 de abril de 2013

separação silábica

se-pa-ra de se-pa-rar
junta-se
junta-se não se-pa-ra

parar o se-pa-rar
junta-se em conjunto
sem parar

sábado, 6 de abril de 2013

Tinha ido ao hospital levar uma amiga pra doar sangue, eu esperava na recepção do banco de sangue, as vezes sentava outras vezes ficava andando do lado de fora. O hospital tinha outras portas por onde as pessoas tinham acesso, pessoas de todos os tipos que estavam ali buscando retardar o inevitável, umas encurvadas outras não. Parece assim que a terra vai chamando e a pessoa vai adentrando cabeça abaixo semelhante ao nascimento. Tinha um homem que tinha cara de quem se desfalece aos poucos... É certo que todos somos desfalecentes, cada um no seu ritmo.
Em contrapartida, em frente ao pórtico onde eu esperava, jazia um busto de um médico daquela Santa Casa fitando o infinito. Ficamos ali duas estátuas, a de pedra por ser mais alta fazia com que eu a olhasse de baixo para cima, assim eu vi que no busto do doutor trazia os dizeres "Uma homenagem ao Dr XXXX pelo exemplo de bondade, dedicação etc profissionaes". "Profissionaes" me chamou a atenção, e como não era possível a palavra ter sido grafada errada, conclui que a placa devia ter sido confeccionada já há algum tempo. Aproximei-me e li, "novembro de 1952". Meu Deus, como fazia tempo!
Demorei um pouco a absorver a informação enquanto me fixava naquela pedra polida, depois vi o tempo como uma linha infinita que passava na altura dos ombros do doutor ali imóvel e que desde 1952 daquela posição via agora a outra ponta da linha, perdida num horizonte em névoas, uma visão que só ele tinha acesso. A estátua imutável de um homem exemplo, de olhos bondosos fixos no além, indiferente a mim e a todos, e eu numa dimensão diferente da dele apenas conjecturava sobre o passado e o futuro a morte e a vida enquanto no entorno vultos iam e vinham, vozes e outros sons se misturavam.

domingo, 27 de fevereiro de 2011

Eu compro

Eu compro não porque tenho necessidade, eu compro porque tenho tédio. A satisfação dura uma noite mas... Mas o tédio vem logo pela manhã. Então eu compro de novo, não por necessidade, mas por tédio. A satisfação dura apenas uma noite.

Eu compro. Eu compro não por necessidade. Nem por tédio... Eu compro por desespero.

O motoqueiro fantasma

O sinal fechou e eu parei, tinha outros carros na minha frente. Um casal atravessou a rua, não na faixa de pedestre mas entre os carros, parando entre as filas e observando os lados antes de avançar para a próxima, assegurando-se de não haver perigo. Começaram a discutir, acharam de brigar por causa da desatenção de um ou do outro na hora de ultrapassar a faixa, aquela que os motoqueiros passam velozmente. Mas naquele momento o perigo não existia, não havia som de moto, nem longe, nem ali perto.
Finalmente seguros na calçada, continuaram ainda discutindo, foram embora brigando por uma moto que nunca veio, um motoqueiro que nunca existiu.

terça-feira, 15 de fevereiro de 2011

O aro perdido

De madrugada o homem dilui seus sonhos em aguardente:
O aro perdido era o elo que faltava entre mim e ti. Há de ser assim porque sempre foi assim. Metem-se nos dedos, enrosquem-se pelos sentimentos, atarracam-se pelos corpos e se perdem por alguns instantes.
Eu continuo perdido, você não chega. Filho da puta de vida que vai a passos largos! Quando você vier trará o aro perdido, de ouro... belo, reluzente. Depois virá também a felicidade, dias suportáveis... planos para o futuro. Depois também virá do seu útero partes de nós atadas numa mesma fita, nossos genes... entrelaçados todos, embebidos numa sopa serão pão e vinho e uma alma novinha em folha virá do infinito até você, e amadurecerá em você geradora, um pequeno anjo de olhos azuis, da cor dos seus.
O aro perdido enquanto ficar perdido nada nada acontecerá, só a vida passará, só a vida passará. Nem elo, nem filho da puta, nem enlevo, nem anjo nem olhos azuis.
Eu acordo cedo beijo-te a face... vou trabalhar. A tarde chego beijo-te a face, deito leve porque a vida é leve. Uma hora ou outra, ou quando queira, vamos de mãos dadas e dentes cerrados...e de carne em carne nos entorpecendo... e de veia em veia tecendo você inteira, viva, até o coração pulsador, frenético, num ritmo cósmico os dois, numa frequência única com o todo. Eu não sei se eu sou eu ou sou você. De lá eu vejo o mundo assim... eu não ando, eu voo. Você é azul e clara, resplandecente.

domingo, 13 de fevereiro de 2011

Hermenegildo vai ao cinema

Todos estavam se preparando para o cinema mas Hermenegildo continuava sobre seu computador, empolgado por ter encontrado a solução para um problema que tentava resolver há alguns dias. E continuava lá, compenetrado. Enquanto isso a turma se aprontava até que na hora de irem um deles chama Hermenegildo:
- Vamos?
Hermenegildo permanece com um olho no computador, levanta o outro:
- Jamais! Agora que acabei de encontrar a solução! Não saio daqui nem se você me vier de posse de um machado!
Então aquele que o chamou virou para a esquerda, andou um metro e meio e pegou um machado que guardava atrás de um armário ali perto. Exibindo o machado, voltou-se para Hermenegildo:
- Vamos?
Hermenegildo se levantou rapidamente: vamos!
E foram todos para o cinema, com Hermenegildo na frente, feliz da vida.

quinta-feira, 3 de fevereiro de 2011

O menino

O menino nunca perdia a oportunidade de passar na frente da loja que vendia, além de outras coisas, filhotes de frango, a quem chamava pintinho. Parava e ficava observando; ele adorava os bichinhos, eram bonitinhos. E os acariciava com ternura, suas penugens eram sedosos... havia ali uma fragilidade intrínseca com a qual o garoto se prendia.

Quis o destino, após um tempo, que o menino fosse trabalhar na loja dos filhotes. Um dia chegou novos deles e o menino, como sempre, os recebeu com muita alegria. Mas entre eles havia um filhote doente, tinha dificuldade de se alimentar. O menino achou que o filhote devesse receber cuidados especiais até se recuperar e comunicou então a situação ao patrão. Este deu-lhe a ordem num fôlego só:
- MATE O FILHOTE DOENTE!

O menino ficou atordoado com aquela sentença ficando perdido entre o amor ao animalzinho e o pragmatismo capitalista endiabrado. E agora? Matar o filhote? Eu? De fato, ele não conhecia as práticas do sacrifício, nem as teorias da morte arranjada, sua alma toda e seu corpo inteiro tinham sido educados para a afeição incondicional à vida.

Mas ainda que o mundo do menino fosse um, a realidade era outra e agora ele tinha uma ordem a cumprir, e não restando outra alternativa foi para o posto do carrasco, arrastando atrás de si sua alma em farrapos. Por mais que tentava, porém, não tinha modos, não levava jeito para o ofício; o seu coração o inundando de sinais contrários, seus músculos na média faziam-no permanecer no mesmo lugar.

Inconformado em ver o novato perdido e sem ação, saltou então do peito do patrão o demônio que, vociferando fogo com enxofre, num salto único voou até se instalar em cima do filhote e o abarcou com as mãos assassinas. Ainda babando cólera julgou possuir pouca fúria e foi emprestar mais um pouco do diabo que lhe atendeu prontamente. Finalmente num lance rápido atirou o filhote ao chão numa cena chocante e liquidou, arrebentando o animal e o pequeno coração do menino que, atônito, assistia à cena repleto de perplexidade, pavor e compaixão.

Depois disso quando pode estar longe dos olhos do assassino foi ver de perto o filhotinho morto que permanecia no lugar que fora atirado, sem vida... e o garoto com ódio dos homens.